Conto: Casca

Ela não agia como as demais. Se sentia triste, sozinha como se ninguém a entendesse, como se não tivesse voz. Todos pareciam viver muito bem nas condições que tinham. Alguns viviam muito bem sendo arraigados à terra ou de folha em folha, de árvore em árvore ou num canto qualquer, mas ela não se sentia muito bem com isso.
Estava cansada.
Cansada da única cor em sua vida, cansada em questionar qual seria o seu fim e não ter nenhuma resposta ou simplesmente: -não pense nisso. Cansada da monotonia que tornou sua vida presa ao chão.
Olhava o céu e percebia que havia outros seres diferente dela. Ela queria ser como eles, que conseguiam ir a qualquer lugar sem importar para onde ia, deveria ser lindo ser igual a eles. Lá não se sentiria sozinha pois poderia ir a qualquer lugar para encontrar amigos, ela não se sentiria triste por que veria mais cores, teria mais perfume.
Mas não sabia como se modificar, como se tornar outro ser, ser como eles. Enquanto isso, se revoltava. Não sabia que a criou, com que proposito existia, mas, se houvesse alguém por trás disso tudo, ele era injusto, cruel. Criou uns melhores que outros e isso era injusto.
Certo tempo começou a se senti muito cansada, querendo dormir por horas. Porem, hesitava, buscava objetivos, outros objetivos, qualquer objetivo para por em pratica, pois temia seu fim e não queria acabar como nasceu, sem nunca ter se modificado. Sendo aquele ser arraigado, precipitado, ignorado e ignorante sobre a vida e a existência, questionador, intrigado e sem nenhuma resposta.
Nenhuma.
Quando percebeu que não poderia adiantar mais tempo o sono, parou no melhor canto de sua humilde casa e se viu envolta e uma casca. Uma casca rígida, feia. Chorou. Nasceu se saber quem era, pra que existia e agora morreria com as mesmas duvidas e envolta de algo ruim. Quem a criou não poderia ter dado um pior fim. E com esses sentimentos, adormeceu.


Acordou.
Abriu os olhos mas tudo estava escuro demais, ela não conseguia se mexer. Ao tentar mover seus pequenos e diferentes braços percebeu que fizera um buraco na casca que a envolvia, assim, viu que tinha força o suficiente para quebrar tudo e se libertar.
Ao terminar, começou a reparar onde estava. Sem muito equilíbrio percebeu que estava em algo, algo estranho, porém, muito familiar. Foi se arrastando até o ponto luminoso. Como tudo era tão claro para seus pequenos olhos. Depois de se acostumar com a claridade foi descobrindo formas, cores, sentindo aromas diferentes e tudo começou a encantá-la.
 - que belo mundo! Disse, mas não sabia que mundo era aquele e nem como fora parar ali, apesar de tudo parecer-lhe semelhante esse pequeno questionamento a empoderou, mas se fez esquecer daquilo, havia coisas, formas, sabores e cores novos pra se preocupar, com toda a certeza o futuro a diria quem era e o que estaria ali.
Verificou de todas as formas como sair daquele lar que estava. Não se conhecia, não sabia como fora parar ali. “Tem algum objetivo, tem”, pensou. Foi nesse instante que reparou em algo diferente em suas costas. Asas.
- mas eu nunca tive algo parecido no meu corpo... ou tinha?
Como poderia saber, acordara em plena primavera sem saber o que era a estação. Não sabia da onde
vinha ou para onde iria e nem o que era aquela parte inofensiva de seu corpo. Ficou parada tentando de todas as maneiras analisá-la para, quem sabe, deduzir para que exatamente servia. Quando já não tinha respostas, tornou a observar o mundo do lado de fora até que identificou seres como ela, que usavam aquele pequeno membro em movimentos rápidos e ao mesmo tempo suaves e flutuavam pelo céu, por entre o colorido. Engolindo todo o medo, todo receio, saltou de onde se encontrava e elas funcionaram.
Estava flutuando, leve e tranquila. Sua vida era bela, aproveitou o primeiro voo e foi o mais longe e o mais alto que podia. Sentiu-se como aquilo fora o que mais desejara em toda a vida, onde toda sua luta era exatamente para viver aquele momento. Não entendia, como poderia entender isso?
Aos poucos a sua vida foi se adequando. De voos intensos, alturas inimagináveis que todos se surpreendiam, de amigos incríveis que a admirava, de cheiros, sabores, cores incríveis,  a sua vida passou a ser uma rotina. Ir de flor em flor, folha em folha, voando para um lado e para o outro. Sempre tinha que voar. Os amigos já tinham os mesmos assuntos, os cheiros não eram todos tão bons assim, os sabores já não tinham tanta graça e as cores não tinham tanta vida.
Se pegava olhando para a terra, aos seres que lá viviam e que ela não tinha contato. Uma saudade imensa e uma enorme dor em seu peito toma conta de seu pequeno corpo e a transtornava, por que, no fundo, não compreendia. Começou a questionar o sentido de sua existência, seria somente aquilo? Rotina presa, os mesmos assuntos, as mesmas cores. Não teria ela que sair dali, ir para outros rumos?
A saudade inexplicável e a tristeza foram formando seu lugar, já não era a mesma. Seus amigos a contaram suas velhas historias e de como todos sairiam para um lugar diferente, todavia, a única coisa que pensava era o sentindo de existir. E isso ninguém respondia.
Aos poucos os amigos se afastaram, não queriam essas preocupações. As flores murcharam, as cores sumiram, os sabores aguaram e ela ficou imóvel suportando o frio externo e interno. Em seu ultimo momento, aquele em que todos pensam e a vida passa em segundos, percebeu que havia um buraco na história. Alguma informação oculta que remetia ao seu surgimento. Com dor, olhou pela ultima vez a terra embaixo de si, e pensou como poderia ter sido feliz lá embaixo, de folha em folha, de arvore em arvore, com paciência e sem essa agitação toda que viveu. Talvez teria sido fácil, talvez as coisas seriam simples de entender, poderia levar uma vida simples e sem muitos questionamentos.

 adormeceu, dessa vez sem retornar.



Comentários