Conto: Mais um dia

As portas fechavam as oito horas, contudo, demorava mais algumas horas para que o silencio se fizesse presente, nesses momentos começava a pensa, parecia que vivia. Chegou a conclusão que havia um padrão pra tudo.
Todos os dias eram iguais: sempre muitas pessoas, sempre muitas compras, sempre muitas risadas, crianças colocando a cara na vitrine, mães brigando ou tentando acalmar seus filhos, pais que não sabiam o que estavam fazendo ali.
Todos os dias as conversas eram iguais: um filho que não lavava a própria roupa, uma criança que está indo mal na escola, uma fofoca da vizinha que trai o esposo, um marido ausente, um marido quase presente, um péssimo pai, uma pensão atrasada. Mulheres cansadas de estar casadas, mulheres cansadas de estar sozinhas, mulheres cansadas de ter vários homens na vida.
Todos as roupas eram iguais: haviam uma tendência que sempre acompanhava a estação. No inverno frias todos bem agasalhados, botas e cachecóis; no verão uma boa regata, um short jeans e sandália de dedo; na primavera tudo muito colorido, muito florido; no outono tudo muito opaco, muito neutro.
Um dia após o outro, uma hora após a outra. Tudo era um padrão. Tudo era igual. Tudo se movia da mesma forma, ela obedecia esses padrões, era tão simples obedecer. Só que... um dia tudo virou repetitivo demais, tudo igual demais, tudo padrão demais. Tudo que um dia agradava, que parecia normal, foi se tornando dolorido, chato, confuso.
Ela não sorria mais, não ficava tão feliz como antes, não dava bom dia como antigamente. Suas roupas passavam tristeza, as conversas alheias não lhe agradavam mais. Uma tristeza foi abatendo seu coração, questionamentos vinham constantemente a sua mente.
Quando cansou de rebuliços internos, resolveu se mexer, sair daquilo que a forçava ser igual e buscar novos ares, novas roupas, novas pessoas, novas conversas. Ser diferente, longe do padrão que tanto a destruía. Não deveria ser tão difícil, deveria ser bem mais simples do que imaginava.
 Era impossível sair. Estava presa em alguma coisa, com muito esforço conseguiu se soltar, porém, caiu no chão. Não conseguia se levantar. “Como isso pode acontecer?”, “em qual momento desaprendi a andar?”, se questionava, não havia respostas. Se esforçou ao máximo até conseguir, com muita dificuldade, ficar em pé. Era muito estranho pra ela, suas pernas tremiam, quando as olhou verificou que estava branca igual papel. “Deve ser o medo”, pensou.
Caminhou e subitamente bateu em algo e caiu novamente. Foi ainda mais difícil levantar, quando conseguiu, voltou a caminhar rumo a rua, porém, algo a impedia, algo transparente que depois de muito pensar verificou ser uma parede de vidro. Estava presa. Não entendia, quem haveria ter prendido ela ali? Quem teve tamanha crueldade em aprisioná-la? Quando isso ocorreu? Não lembrava de ter sido sequestrada ou algo do tipo, até a pouco estava vendo as pessoas caminharem.
Começou a se jogar contra a parede de vidro, não importava o que ocorresse, deveria sair dali. Se jogava perante a parede mas parecia não ter resultados, depois de muito tempo breves rachaduras foram se formando, o que a encheu de expectativa e felicidade. Seu corpo estava dolorido, mas, aguentaria mais alguns golpes. Se jogou mais uma vez contra a parede de vidro, enquanto o vidro se destruía viu seu corpo caindo no chão.
Enfim estava livre.
Logo de manhã o jornal da cidade anunciava um possível assalto realizado a uma loja de roupas. O mais irônico era que não havia roubado nada de valor, somente um manequim que foi encontrado no chão perfurado pelos vidros.

Foi trocado a vitrine, foi trocado o manequim e o este jogado fora. A vida continuava a mesma.


Instagram: @smribeiro21

Comentários