Acordou. Demorou muito a se sintonizar no que estava
ocorrendo, não fazia ideia de onde estava ou como chegou até ali, tudo era
confuso, tudo era diferente. Acordou no meio de uma praça, era o que parecia. Contudo, ainda sentada, estranhou o fato que
as pessoas se sentavam na grama enquanto os animais se sentavam nos bancos, o
fato das arvores terem o tronco verde e as folhas marrons e de flores nos mais
variados tons de verde que sua vista conseguiu alcançar e que o caule estava
colorido.
Voltando seu olhar às pessoas, verificou que suas roupas
eram extremamente coloridas e misto de estampas jamais vistas, seus cabelos
estavam penteados para cima, totalmente contrário ao que conhecia, seus sapatos
estavam trocados – pé esquerdo no direito e vice-e-versa. Ficou um pouco com
medo de se comunicar, mas, precisava saber onde estava. Se levantou e foi
buscar algum tipo de respostas com as pessoas mais próximas.
-
Bom dia, tudo bem?
-
Meb odut.
-
Que? Não consigo compreender vocês! – Falou enquanto o desespero tomava conta
do seu coração.
-
Sam sos somiugesnoc redentne ecov.
-
Vocês são loucos! Falem direito.
-
AHNET OTIEPSER OCSONOC!
Se assustou tanto com esse simples
momento que saiu correndo de tanto medo, não sabia para onde ia. Apesar daquilo
parecer seu mundo não estava nada parecido com o local que cresceu. Buscou
qualquer coisa que pudesse se esconder. “Por que estou com tanto medo?” Se
questionava. Em seu mundo, acontecia coisas piores consigo mas que era capaz de
superar. Mas ali não, a certeza de que não pertencia aquele lugar era muito
forte, não precisa que alguém lhe disse algo, não precisava ser taxativo, ela
só sentia. Enquanto corria percebia que todas as pessoas eram diferentes
daquilo que conhecia mas iguais entre si, percebia que todos a achavam
estranhas.
Encontrou uma casa abandonada no final
de uma das ruas pela a qual percorreu. Entrou o mais rápido que pôde, estava
muito escuro e um cheiro horrível mas algo era estranhamente familiar. Escutou
um barulho no que seria a cozinha daquela casa, com toda a coragem que ainda
lhe restava foi até o cômodo o mais silenciosamente possível, quando estava
perto escutou uma voz:
-
pode se aproximar. Não tenha medo de entrar.
-
vocês falam como eu! – estava incrédula e extremamente feliz. Por mais que tenha
ficado pouco tempo naquele mundo foi o suficiente para se sentir longe daquela
sociedade, longe daquelas pessoas como uma completa estranha, esquisita.
-
Sim, todos nós – foi então que percebeu que haviam seis pessoas a mais naquele
lugar.
-
onde estou? Por que são todos diferentes? Como faço para voltar?
-
Você está no seu mundo, no planeta Arret. Ser diferente depende do ponto de
vista, para eles você é completamente estranha do mesmo modo que você os
considera estranhos. Você nasceu e cresceu aqui, isso é tudo que conheces.
-
É mentira! – Estava gritando sem nem ao menos perceber.
-
Não, não estamos mentindo. Você sempre esteve aqui.
-
É mentira, eu não lembro das coisas serem assim. Os cabelos das pessoas não
eram pra cima, as roupas não eram estranhas, as plantas também não! Tudo tá
diferente. Muito diferente do que conheço.
Sem que quisesse lagrimas começaram a
percorrer seu rosto, logo todos que ali estava a abraçaram e ela se sentiu
segura de que tudo daria certo. Respirou fundo e não disse mais nada. Todos a
acompanharam a um quarto, disseram palavras de consolo que não ouviu direito.
Tudo ocorreu muito rápido, de súbito adormeceu com a
esperança de tudo ser um sonho mal. Acordou, foi à janela e tudo permanecia
igual. Novamente chorou.
Ao descer as escadarias em direção a
sala, o mesmo que havia falado com ela na noite anterior a interrogou:
-
pronta para ouvir?
-
não. Mas pode falar. – respondeu com a tristeza que permanecia em seu coração.
-
Falarei de verdades que você não quer ouvir, de uma sociedade que você não quer
viver, de pessoas que você não conhece. Você não é obrigada a aceitar tudo que
irei dizer, mas acredite, talvez você deva para seu próprio bem. – fez uma
pausa a fim de encontrar algum tipo de consentimento dela, que nada disse. Então
continuou – Como disse ontem, você vive na Arret, sempre viveu aqui. Vives em
uma sociedade que se acostumou a agir da mesma forma pensando que cada um é
diferente, uma sociedade que se acostumou tanto a uma unidade que não admite
que alguém seja diferente do que eles mesmos.
“Na
verdade, se você prestar bem atenção todos fazem as mesmas coisas, nos mesmo
horários, com as mesmas pessoas. Nada muda, todos os dias a mesma coisa. Chega
a ser monótono demais, mas essa sociedade acredita ser feliz e tentam estampar
isso nas roupas que vestem ou no estilo de cabelo. Eles fingem muito bem e
coitado daquele que contradiz o que eles pensam ou dizem. Na minha mais humilde
opinião, estão todos iludidos, com um dia eu fui. Um dia estávamos do lado de
lá.
“Você
os acha diferente, eu também, porém, a única coisa que está diferente é seu
olhar sobre todas as coisas. Sua infância foi linda e iludida, você pertencia a
esse lugar, sempre gostou de agir como todos. Mas algo aconteceu que a fez
mudar de opinião. O que houve? Não sei dizer, não sou você. Somente encontrará
essa resposta em si mesmo. Quando acontece algo tão forte em nossas vidas,
percebemos que há algo errado e começamos a ter outro ponto de vista de nossas
vidas. Isso aconteceu com todos nessa sala e cabe a cada um dizer ou não o que os
levaram ao novo entendimento”.
Por algum motivo quis chorar, algo
forte doía em seu coração. Tentou buscar o que poderia ter acontecido de tão
forte em si mas não lembrou de nada. Talvez tudo fosse uma loucura, talvez
fosse louca.
-Você deve estar pensando que eres louca –
continuou – mas não é. Repito, sua visão de mundo modificou. Por isso que ver
tudo ao contrário, com cores que nunca pertenciam àquele lugar. Você tem duas
opções nesse momento: aceitar tudo isso e viver como eles ou tentar lutar pra
que algo seja diferente.
Depois de uma longa pausa e de enxugar as lágrimas que
percorriam em seu rosto, questionou:
-
e qual opção vocês escolheram?
-
eu não posso responder por todos. E, sinceramente, não sei te dizer que caminho
eu estou percorrendo. Te dei duas opções, você pode fazer outras opções que
melhor se enquadrem na sua vida, no que você quer. A maior diferença entre nós
e eles são os caminhos que estamos trilhando e a visão que temos além do que
nos é exposto. Eles não entendem e não querem entender, não veem o mundo como
nós, não sentem como nós e não serão julgados como nós somos e sempre seremos.
Tudo sempre estar muito bem a eles, tudo muito perfeito. Eles não têm nossos
olhos, nossos tons, nossas verdades e consideram isso um erro, um defeito.
Silenciou. O silencio percorreu
enquanto ele se dirigia a outro cômodo da casa. Sentou-se no sofá e começou a
pensar no que estava ocorrendo: acordou num mundo que era seu mas não era, já
estava muito diferente do que se lembrava. As pessoas entediam a sua fala mas
ela não entendia as pessoas, as cores eram diferentes, as coisas eram
estranhas. Se direcionou a janela e percebeu que as casas tinham cores
extravagantes, exageradas e portas e janelas tortas. As pessoas caminham de trás
pra frente e até que isso era engraçado. Agora ela estava numa casa que se
diferenciava de todas as outras. Não sabia como tinha chegado ali, a única
informação era que algo tinha mudado, “é lógico que tudo mudou! Tá tudo ao
contrário”, pensou. E qual caminho seguir? Ser igual a eles não seria
diferente, bastava aprender como eles se comunicavam e procurar roupas o mais
estranha possível. Era muito mais viável ser como eles do que simplesmente ir
contra tudo aquilo. Tudo estava acontecendo muito rápido, sua percepção e raciocínio
nunca foram tão claros como estava sendo naquele ultimo dia.
Procurou pela casa aquele que tanto lhe
informava e perguntou:
-
Qual o seu nome?
-
Carlos. Ou Solrac, como queira.
-
Então você escolheu viver como eles.
-
Não, decidir trilhar meu próprio caminho. Viver com eles é ilusão e viver aqui
também. Então, decidi um caminho alternativo. Se eu tiver entre eles, posso
viver bem, conseguir alguns benefícios e descobrir como combatê-los. Vivendo
aqui eu tenho um pouco de tranquilidade e também tristeza. Mas são
consequências.
-
Eu não sei o que quero. Eu sinto como se tudo que existisse tivesse me tomado,
estou me sentindo sozinha como nunca me sentir e, mesmo com tudo tão estranho,
eu estou raciocinando muito rápido, entendendo a lógica das coisas muito
rápido, isso não era assim.
-
Você sempre esteve sozinha. Estamos nesse mundo só e isso não é ruim. Antes
você tinha o amparo da sua família hoje não tem mais, você cresceu, mudou seus
conceitos. Deve ter levado um baque muito grande para chegar até aqui.
-
eu quero ser feliz. Não quero sentir essas coisas estranhas aqui. Se pra ser
feliz tenho que ser iludida, que seja. Eu quero viver sem ter esse conhecimento
de um mundo à parte, de que sou estranha.
-
Estás usando o verbo errado para a palavra feliz. E você não é estranha, nenhum
de nós somos. Não fazer parte daquele mundo de fora não significa que somos
menos dignos ou que devemos sofrer retaliação, xingamentos, preconceitos com
isso. Somos apensas diferente deles, e por que isso deveria ser ruim? Mas é a
sua decisão, você pode continuar vivendo conosco. Somente saiba que isso é ruim
para você, irão te julgar por estar conosco, irão te condenar se um dia você
quiser nos defender, você sofrerá por ser quem é e por estar com quem estar.
Saiba das consequências.
- Você
sofre?
-
Meus sentimentos são meus.
E a vida seguiu. Ela decidiu seguir as normas, fazer como
eles, sorrir, se vestir, andar como eles. Na casa abandonada, que depois
descobriu que o mundo do lado de fora havia criado essa casa para que todas as
pessoas diferentes deles fossem viver lá e que não atrapalhasse a vida deles,
Carlos a ensinou falar como eles, aprendeu cada norma ortográfica.
Quando foi ao mundo pela primeira vez
pensou que todos iriam a condenar por estar imitando-os. Porém, todos pareciam
ficar satisfeitos com o fato dela ao menos estar tentando ser uma igual. Por
onde andava tinha comentários do tipo: “tão bom você estar conosco, ser uma de
nós”, “fico feliz que você não queira agir como aqueles... estranhos, eles são
estranhos”, “nossa, você é tão educada, você não fica reivindicando direitos
esquisitos como aquele povo esquisito”, “que bom que você é diferente deles e
iguais a nós”.
Esses comentários, aqui traduzidos,
apertava o coração dela. Ela sorria ao final de cada um deles mas quando
chegava a casa abandonada se sentia muito mal e chorava em quarto. Tentava
achar engraçado a vida dupla que levava, mas isso estava acabando consigo,
todos os dias um pouquinho. E assim se passaram dias, meses, anos, sempre com
esses sentimentos indo e voltando.
Certo dia, enquanto vivia com os demais do mundo, viu uma
aglomeração de pessoas. Como todos estavam indo, ela também foi ao encontro.
Chegando lá, viu seus companheiros da casa abandonada com placas nas mãos da
qual diziam “nossas vidas importam”, “ser diferente é normal” entre outras.
Gritavam as mesmas frases. Todos do mundo estavam os condenados, achando um
absurdo, alguns chamavam pela polícia, alguns chamavam por Deus, outros queriam
bater de igual a igual.
A polícia do mundo chegou sem muita vontade de conversar,
já foi empurrando todos. No seu desespero foi tentar defende-los, tinha que
fazer algo. Olhou para todos os rostos que um dia sorriram para ela naquele
mundo, mas, nesse momento todos as desprezaram. Palavras do tipo “traidora” foi
falada mais de uma vez. Ela não entendia. Haviam tantas pessoas que a acolheram
tão bem.
Uma memória se fez presente: Via um homem caído no chão
no meio de uma multidão parecida como aquela, ao lado placas como aquelas, com
pessoas gritando com aquelas estavam gritando. Se sentiu correndo, mas não era
ela... pelo menos não uma versão atual, mas como a de anos atrás. A mesma que
um dia despertou naquele mundo. Ao se aproximar daquele homem, ele sorriu e lhe
disse: “hoje eu vou para não voltar, pra quem sabe um dia ninguém precise
morrer por ser diferente. Espero que você não sofra com esse mundo como eu
sofri”.
Agora entendia, entendia o que tinha feito ir parar
naquele mundo. Na verdade, entendia o que tinha feito enxergar aquele mundo diferente.
Aquele homem que ela tanto amava havia morrido, “o mundo é cruel”, pensou.
Enquanto a lembrança remexia em seu coração, percebeu que
estava sendo levada a outro lugar. Não sabia ao certo, porém, parecia uma
prisão. Pessoas falavam alto, gritos, golpes. Alguém se levantou de súbito, e
rapidamente se movimentou em busca de um objeto letal e de súbito ela caiu.
Instagram: @smribeiro21
Instagram: @smribeiro21
Comentários
Postar um comentário