Crônica: I


                “I” era um a pessoa muito divertida, muito animada e com muitos sonhos para se realizar. Ele tinha acabado de entrar na faculdade de engenharia mecânica, estava no auge dos seus 22 anos e recém-morador de uma kit net no centro da cidade. Estava muito animado para seguir essa nova vida, tudo seria diferente dali pra frente, ao menos desejava isso fielmente.
                Ele nem sempre viveu com tanta animação, mais já fazia alguns meses que decidiu dar uma nova rota para sua vida. “Ela ficaria feliz por me ver assim? Seguindo um vida nova”, pensava enquanto se via no espelho, único item da casa que estava no lugar que gostaria.
“I” namorou durante muitos anos com “M”, foi a sua primeira namorada, contudo uma grave doença tomou posse dela e ali estava ele, depois de tanto tempo, depois de tanta crise, tentando retomar a vida com uma nova graduação, morando distante do seu passado. “Ela gostaria da vista” pensava ao lembrar-se dela.
Já não era sem tempo, precisava encarar o fato de que não viveria mais com seu antigo amor, não adiantava mais se esconder em quartos escuros, remédios ou bebida. Ela não iria voltar, ela não iria retornar. Nunca iria amar alguém como a amou, “mas amor é diferente com cada um, ela mesmo me disse isso uma vez”, pensava.
Já estava há alguns meses naquela nova kit net, acordava todos os dias bem cedo, tomava um longo banho, vestia suas roupas, “creio que tenho que comprar algumas blusas novas”, e depois se permitia olhar durante alguns minutos a foto de sua ex-namorada. Tentava fazer um dia diferente todos os dias, tentava sorrir a cada dia, porém era difícil. Algumas vezes se afundava em seu estoque de vinhos baratos, olhando o céu e se questionando porque ela se foi.
                Nunca pensou que amaria novamente, não. Apesar de cada pessoa proporcionar um amor diferente era o amor de “M” que lhe interessava. Mas naquela segunda-feira, devido a seu atraso de 10 minutos, encontrou com uma garota no corredor de seu apartamento, aparentemente ela morava no apartamento vizinho. A incapacidade da moça de entender a piada que ele fez, ou de sorrir, o encantou. De algum modo os olhos dela tinha algo especial.
Começou a se atrasar os mesmos 10 minutos, a encontrava todos os dias e queria de algum modo falar com ela. Seu coração o acordava disparado como um despertador, se olhava várias vezes no espelho para saber se realmente estava bem, se preocupava com a quantidade de perfume que passava para não parecer mal, exagerado, suas mãos tremiam com o simples fato de se aproximar dela e a simples visão de seu rosto fazia abrir um sorriso de orelha a orelha.
Gagueja toda vez que tentava iniciar uma conversa, ria internamente da possibilidade dela pensar que ele era gago por natureza. Tentava contar as suas piadas, “‘M’ riria com cada uma delas”. Estava encantando com a possibilidade de tentar conquistar alguém, alguém que era diferente da sua ex-namorada.
Na volta para casa, no elevador, viu a garota que tanto tentou conquistar, “só mais uma tentativa”, pensou, mas o resultado foi terrível. Novamente a garota em nada lhe dava bola.
Só que aquele dia era diferente, tinha sido um dia terrível. A imagem de “M” tinha marcado todo seu dia, desde o metrô que lembrava todas as vezes que juntos iam estudar, até o sanduiche favorito. Por duas vezes tocou a musica favorita do casal, por duas vezes viu a dela imagem sorrindo, por duas vezes mudou sua rota por ter visto “M” caminhar do outro lado da rua. Não era ela. Nunca seria ela. Não conseguiu se concentrar na aula, não conseguiu se concentrar no trabalho, não conseguiu fazer nada.
Ali estava ele, final do dia, sem a sua amada por quem se dedicou tanto, sem a garota, que foi a primeira a se encantar depois de muito tempo, pois ela não lhe dava atenção. Estava com todas as suas garrafas de vinho barato em mais uma noite da qual tudo que saberia era que estava só e continuaria assim, estava bêbado e desesperado para que as coisas mudassem, para que a sua vida voltasse a ser como era antes.
Olhou mais uma vez a foto de sua ex-namorada antes de jogar pela janela. “Amor é pra poucos e quem o encontra só o encontra uma vez”, pensava.

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