Crônica: O

só sei dançar com você, isso é o que o amor faz...
Não fazia ideia de sua própria vida, não fazia ideia de qualquer coisa que girasse ao seu redor. Na verdade ele não queria entender nada, nenhuma questão ou discussão que envolvesse sentimentos ou sobre problemas sociais lhe atraía. Não que achasse uma besteira ou algo do tipo, mas ele estava cansado. “Você é um grande paradoxo” era o que sempre o diziam e sinceramente ele também se sentia assim.
                Desceu do ônibus e no curto caminho até sua casa lembrou-se da jovem que chorava dentro da condução, “se eu tivesse um pingo de sentimento, teria indo até ela”, pensou. Ele se julgava sem sentimento, incapaz de sentir o que quer que seja, “mas o que seria sentir? Seria efeitos físicos, reações desse corpo mortal? Estaria ligado ao pensamento, algo mais espiritual?”. Não sabia. Não entendia e ninguém o explicava.
                Repetiu a musica e continuou andando, se permitiu mais uma vez uma breve discussão consigo mesmo sobre sentimentos. Sentir era algo muito confuso em sua mente no seu auge dos 25 anos, sempre foi. Não conseguia entender o que move os sentimentos, principalmente o amor. Não somente os sentimentos, mas a interação com o outro.
                “Ok, confuso. Nem eu estou me entendendo”.
                Em meio a tantas tecnologias e meios de falar com o outro, ele não recebia uma só notificação. Tinha amigos, tinha amores, tinha familiares e o contato com eles fluía muito mais a maneira tradicional, na boa conversa. Nada melhor do que sentar e conversar, olhar nos olhos, ver o sorriso, ouvir o sorriso. Assim, nada mais estranho do que os “kkk” no whatsapp, fotos sem nenhuma emoção e conversas atrapalhadas por outros assuntos ou esquecimentos.
                Isso influenciava toda a sua confusão com os sentimentos. Por algum motivo se sentia atrasado, perdido, em outra época, como se toda a sua forma de sentir, toda sua forma de expressar qualquer sentimento tivesse desatualizado. Parecia que todos tinham se atualizado igualmente aos seus smatphones e ele tinha parado no tempo.
                “e o amor é o mais confuso de todos. O que é amar?”
                Por não conseguir se adaptar nessa nova onda de comunicação, mesmo novo, e por ter toda sua confusão de onde parte e onde tem os efeitos dos sentimentos, não conseguia dizer ou entender o que é amar. “seria uma construção social? Seria o padrão de novela: olhou gamou?”
                Seu grande paradoxo estar em sua escrita. Qualquer um que escutasse suas musicas, lessem seus poemas, contos, livros, que visse suas tatuagens pensaria que era ele a imagem perfeita do amor. Não havia uma só canção sua que não falasse sobre o amor, sobre esse sentimento por alguém que acabou de se apaixonar, que sofre com o termino, que se alegra com o recomeço.
                “eu sou um poeta e não aprendi a amar” e de fato era. Um poeta, um lindo poeta. Que conseguia entrar nas almas apaixonadas e dizer toda a confusão que existia, que conseguia interpretar toda a dor do fim em palavras belas e profundas, que tinha as melhores frases para exemplificar a alegria, a emoção, mas ele não sentia nada daquilo ou se julgava não sentir e isso lhe causava um grande conflito, como poderia escrever tanto sobre o amor e nem se quer senti-lo?
                “grande confusão e nem terminou o dia para eu ter esses tipos de debates comigo mesmo”, pensou e mesmo que estivesse sorrindo ao pensar seu rosto logo se modificou para algo mais sombrio e triste. Cruzou no elevador com uma moça, não sabia o nome dela, nunca se importou em saber.
                “Será que eu seria capaz de amá-la?” Não tinha como, logo concluiu. Se o amor era uma construção social, ele não tinha dado nenhuma importância a construir um sentimento com ela, não sabia seu nome, não sabia nenhuma informação cabível que pudesse despertar qualquer sentimento. Nem acreditava que isso poderia, a garota estava sempre com o celular na mão e fone de ouvidos e ele desarmado.
                Se o amor era um estalo, um tiro, de repente, contente, inesperado, infelizmente não sentia nada parecido por aquela jovem e por nenhuma outra jovem (ou outro) que tivesse passado em seu caminho, nada que ele pudesse chamar de amor a primeira vista.
                O sentimento de tristeza invadiu seu coração, de todos os sentimentos esse era o único que tinha plena certeza. Conheceu esse sentimento no mesmo dia em que percebeu sua dificuldade em amar. Esse sentimento envolveu seu coração, tomou conta de seu ser e antes de chegar a porta do seu apartamento estava chorando. Era um tolo, um idiota, mas alguma coisa dizia que ele deveria agir assim, porém, se sentia culpado, se sentia mal.
                Abriu a porta, pegou sua garrafa de uísque que guardava para momentos tão confusos
quanto aquele, pegou seu caderno, seu violão e uma caneta, aproveitou as lágrimas para escrever mais poesias de um amor que nunca sentiria.


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