“S” acordava todos os dias no
mesmo horário, 8 horas em ponto. De vez em quando colocava o despertador no
modo soneca, “só mais 10 minutos” pensava, porém isso lhe causava um grande
remoço, era quase uma traição. Não que ela tinha algo para fazer depois, não
tinha nada, há dois meses estava desempregada, já tinha terminado a faculdade e
mesmo assim continuava com velhos hábitos para, quem sabe, não se esquecer de
viver.
A vida tinha se tornado uma rotina
monótona baseada somente em sonhos de um futuro melhor enquanto pensava que
iria comer miojo no almoço devido a sua imensa preguiça de fazer algo mais
decente.
Na sacada do seu prédio, por
várias vezes pensou que deveria ter feito algo de útil de sua vida. Certos dias
pensava que “algo de útil” seria ter se dedicado mais a caridade, ao próximo,
ter ajudado mais, esquecido um pouco de si; em outros dias, pensava que deveria
ter curtido mais, ido a mais festas, ficado com homens sem se importar com quem
eles eram, era só uma noite e nada mais. Em outros dias, pensava que sua vida
foi boa do jeito que foi, que foi tudo lindo, em outros um sentimento de
saudades de algo que nunca fez a marcava.
Mas agora ela estava ali, naquela
noite de domingo, em um apartamento sozinha com dinheiro para mais um mês de
aluguel e para alguns miojos (apesar de ter um imenso estoque), alguns rabiscos
de poesia no chão, o violão tão almejado jogado e sem nada para pensar.
Faltava pouco para decidir o que
fazer da vida, na verdade faltava pouco para ser obrigada a decidir o que fazer
da vida. Não tinha muitas opções, voltar pra casa dos pais seria a melhor e
pior de todas, apesar de amá-los muito o sentimento de fracasso tomava conta de
si.
Quando saiu de casa, saiu com a
certeza de que iria fazer algo grande, que seria uma pessoa melhor, uma pessoa
capaz de mudar o mundo. Teria a liberdade tanto almejada, a decisão estava em
suas mãos e de mais ninguém, seria uma adulta. Contudo, logo no primeiro dia
percebeu que seria melhor voltar a ser criança.
E ali estava tendo que planejar
sua volta. Teria que ir buscar alguns caixotes, arrumar as roupas que mais de
mês não arrumava no guarda-roupa, “seria bom para jogar algumas roupas que
nunca usei” pensava, tinha plena certeza que não iria se desfazer de nenhuma.
Teria que se despedir da senhora do prédio que sempre lhe dava bolos todas as
tardes de sábado, do segurança que sempre emprestava a chave extra para todas
as vezes que ela esquecia a sua dentro de casa, se despedir e desejar um
péssimo vizinho ao morador do andar de cima, ele sempre colocava musica brega
alta e cantava no karaokê, riu a pensar nisso. E, claro, se despedir mesmo que
mentalmente do crush do elevador que morava no apartamento da frente.

“S” estava cansada. Cansada de
tantos sonhos inalcançáveis, das vontades nunca suprimida, cansada de ter
vivido para o trabalho e agora ter sido despedida por ele, cansada de ter
começado tantas dietas que a proibiram várias vezes de comer seu doce favorito.
Estava cansada dos amigos que sempre falavam os mesmos assuntos, que sempre
ligavam para contar a mesma história e que iam para os mesmos bares.
Estava cansada de tanto que lutou
atrás do seu ex-namorado que não se importou de terminar com ela pelo telefone,
cansada de pensar nele e não seguir em frente. Cansada de imaginar que naquele
momento ele poderia estar com outra.
Cansada.
Na sua sacada, onde inúmeras
plantas ali morreram, chorou, pois pela primeira vez não sabia o que fazer da
vida.
Eu escrevo poesia, mas o que eu gosto de ler mesmo é crônicas e essa ficou muito boa. Parabéns! você escreve muito bem.
ResponderExcluirParabéns Simone! A gente se encontra, se identifica e se completa nas palavras. Obrigado por escrever e continue! O mundo precisa!
ResponderExcluirMuito obrigada! Sua opinião é muito importante para mim!
ExcluirEu adoro ler um bom Texto, e adorei ler esse!
ResponderExcluirFico feliz que tenhas chegado a esse texto!
ExcluirMuito bom
ResponderExcluirDesde que a maturidade chega, todos somos um pouco "S". Já faz tempo que me tornei adulto e ainda não me acostumei... são muitas frustrações e "e se" colecionados.
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