Conto: Janela

Ela entrava no mesmo ônibus todos os dias, sentava no mesmo assento – do lado oposto ao cobrador e perto da janela – todos os dias, ou sempre que podia. Pela janela observa o mundo a seu redor, via as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas, provavelmente indo para os mesmos lugares. Tudo se repetia, mas ela nem ligava. Sua vida tomava as mesmas cores do céu, seu humor mudava ao contrário do clima, suas roupas com as estações.
- Posso sentar?
Levou um susto, ao seu lado um dos homens mais lindo falava com ela, tirou a mochila que ocupava o assento ao lado, tentou disfarçar o sorriso bobo, mas antes de voltar para sua típica janela, o rapaz continuou;
- Você saberia me informar as horas?
Sorriu. Ele sorriu de volta. Se permitiu ficar assim durante alguns minutos.
- Ah, as horas! Ok, ok.. só um momento. Eu sempre perco o celular nas minhas coisas, não sei por quê. Ah! Aqui! São oito e meia.
- Não, na verdade são seis horas.
- Seis? Sim! Seis... Eu sou a única pessoa no mundo que se confunde vendo horas no celular.
 - HA! HA! HA! – o rapaz sorrio alto – deve ser sim, mas se te ajuda... Bem... não sei como te ajudar.
Sorriram.
- Então, para que caminho segues? – perguntou.
- Na vida ou nesse ônibus?
- Boa, pelo visto eres uma filosofa... Os dois.
- Na vida não tenho a mínima ideia, estou terminando a faculdade, não tenho emprego, não sei o que farei daqui pra frente ou pior, como farei. No ônibus, sigo para meu curso. E você?
- Bem, na vida estar tudo meio endireitado. Tenho emprego, tenho alguns cursos, estou fazendo outros, tenho um carro que por algum motivo quebrou justamente hoje, veja bem, não estou reclamando. No ônibus, estou indo para casa.
- Está bem então.
 - Sim. Você tem um sorriso muito bonito.
- rsrs obrigada! Você que é bonito, quer dizer... – começou a gaguejar de tão nervosa que ficou.
- ok, sem problema. Estou chegando no meu ponto, você poderia me passar seu numero para que eu fique sabendo como estar sua vida, né?
Ela sorriu, percebeu que não sabia o nome dele. Trocaram telefones, disseram seus nomes e se encontraram no dia seguinte para um almoço. Conversaram sobre as bandas favoritas, comidas que mais gostavam, o porquê de ter cores favoritas, falaram sobre a vida, sobre as coisas, sobre o tripé de assunto proibido: time de futebol, política e religião. Conversaram sobre tudo e nem viam a hora passar. Era lindo estar com ele, tudo era tão bem, tudo era tão perfeito. Se encontraram outras vezes, saíram para dançar, para cantar, para tocar violão, guitarra, teclado.
Ele foi a primeira pessoa que não debochou pelo fato dela compor musicas e escrever poesias e foi a primeira pessoa com quem teve coragem de demonstrar o que escrevia. Mostrou seus cadernos, recitou seus poemas favoritos e ele ouvia, se encantava e buscava poesias para mostra-la.
Ele falava de culturas que ela não conhecia, ele se importava com a beleza do coração. Não julgava sua forma de vestir, a forma atrapalhada com que falava. Elogiava seu cabelo, não ligava para seu peso ao contrário de todos que já havia conhecido.
Era perfeito por que ele era imperfeito e entendia suas imperfeições. Sabia que eram de mundos diferentes, que faziam coisas diferentes, porém, existia um mundo só deles, onde ser eles mesmos era mais importante do que fazer com que um aceitasse o outro ou se modificasse só para a sociedade ver. Eles se entendiam, tinha a mesma essência em busca de conhecimento, convívio, do respeito ao próximo.
- Você é a garota mais incrível que eu conheci na vida... não sei o que seria de mim sem você...
Sorriu, só sabia sorrir perto dele e provavelmente teria aprendido a sorrir depois de conhecê-lo.
- Na verdade – continuou dizendo - acho que a gente deveria namor...
- Moça, moça!
- Oi – reparou no cobrador que cutucava seu braço – sim, diga..
- Acho que sua parada já passou, você estava tão concentrada na janela que nem reparou.

Não disse nada, desceu e chegou atrasada no curso.


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