Conto: H

Ela não era de toda anônima. Estava sempre presente mas nem todos lhe davam a devida atenção, muitos a esqueciam e isso ocorria frequentemente, mas, também ela não se achava digna de qualquer coisa. Quando tinha oportunidade de ser a primeira, ficava calada, em seu canto, sem mostrar sua força, se é que tinha alguma. Quando acompanhava alguma outra, fazia tudo que eles bem queriam, imitavam seus gestos, mas, não muito para que ninguém desconfiasse que ela não tinha personalidade.           
Em alguns dias se sentia livre, em outros se sentia aprisionada aquele grupo que tanto cobrava. Em alguns dias dizia para si mesmo que aquilo lá era sua missão de vida, em outros se questionava se iria viver sempre daquela forma. Todos pareciam tão mais importante e com tantas participações especiais, tinham tantos amigos enquanto para ela nada era tão bom, restava a ela pensar e tentar encontrar como se enquadrar e se sentir unidade de eles, logo que sempre lhe diziam: somos uma família!
            A... era amiga de todo mundo, conseguia interagir com todos e todos gostavam dela, quase todos eles eram assim. Eles sempre eram muito amigos, menos N..., ela não gostava muito da fulana B... e P... ao contrário da sua irmã M... que amava as duas. Alguns eram irmãos inseparáveis, mas ela não entendia muito bem... para ela todos eram primos bem próximos, com irmãos não tem esse negócio de ódio, ou teria?
            Seguia vida, seguia sem entender nada, seguia sempre conforme o que todos queriam. Nunca contava a ninguém sobre seus sentimentos, afinal, todos eram tão felizes para quê atrapalhar a vida de todos com seus problemas existências e seu anseio por não ser quem era. Porque desabafar, gritar seus sentimentos sendo que ninguém iria entender.         
            Certa vez, caminha por entre os cômodos da casa enorme que abrigava a todos percebeu que vivia sempre ali mas não conhecia todos os lugares daquele ambiente, como todos a ignoravam e não gostavam muito da sua presença não iriam se incomodar se ela andasse por aí. Desceu todas as escadas, passou pela cozinha e, depois de ver tudo, e do lado de fora, encontrou uma porta. Nunca tinha reparado nessa porta, porém, nunca tinha ido ao lado de fora da casa, o porquê não saiba responder.
            Abriu a porta, ascendeu as luzes e de deparou com quatro pessoas sentados virado para a parede. Eram o senhor W..., a senhora Y..., o senhor X... e o senhor Z... O lugar era estranho, cheirava mal. Antes mesmo de perguntar o que faziam ali e não estavam com os outros, lhe perguntaram:
- quais de nós vai precisar dessa vez?
- De ninguém – respondeu – na verdade estava passando por aqui, resolvi conhecer mais a casa que por anos estou vivendo e não conhecia praticamente nada. O que fazem aqui? Por que não estão conosco, lá em cima?
- Pobre de nós – respondeu o Senhor Z... – o que será de nós quando descobrirem que alguém de cima simplesmente resolveu conversar com a gente!
- Tenho medo do que pode acontecer, não quero sofrer – disse a senhora Y...
- Calma todos! Se ela for embora, poderemos nos livrar dos castigos – afirmou, tremulo, o senhor X.
- Do que estão falando? Vocês são minha família, a nossa família. Deveriam estar conosco – respondeu com um desespero na voz.
- Querida – começou o senhor W... – você não poderia estar aqui conosco. Vá embora antes que você sofra.
- Só vou embora quando me explicarem o que estar ocorrendo. Ou vocês me explicam ou eles – nunca tinha tido tanta firmeza na voz. Eles se entreolharam e o senhor W... começou.
- Estamos excluídos, meu bem. Quando necessita da nossa presença vem aqui e nos chamam.
- Por que?
- Querida, um dia estávamos todos juntos. Creio que você deve lembrar de nós, tinha nossos quartos e nossa participação na parte de cima era constante... ao menos para nós. A gente compreendia nosso dever, não temos o papel de protagonistas nas histórias, mas estávamos felizes com nossa missão. Só que um dia tudo pareceu diferente, eles começaram a tratar com indiferença a nossa participação, porém, ainda vivíamos felizes. Depois começamos a nos questionar, a ficarmos triste pela crueldade que nos tratavam e quando resolvemos rebater todas as maldades, nos aprisionaram aqui e daqui só saímos quando precisam da gente.
- Eu não posso crer – lágrimas corriam pelo seu rosto – vocês não podem ficar aqui. Olha o estado de vocês! Estão maltratados, sem brilho, infelizes. Tenho que fazer algo.
- Você faria? – perguntou todos ao mesmo tempo. Uma esperança preencheu seus corações, um brilho apareceu em seus olhos.
Ela percebendo isso, consentiu com a cabeça. Saiu daquele recinto com toda a coragem que possuía e talvez bem mais. Estava determinada a modificar a vida de sua família, daqueles que tinha apreço e bons sentimentos. Quando entrou pela casa, todos os demais estavam sentados na cozinha comendo alegremente.
De repente uma tristeza abateu seu coração, sua voz ficou não existia mais, toda a coragem que tinha se perdeu, suas pernas começaram a tremer, ficou branca como nunca tinha ficado, suas mãos geladas, mas era preciso agir mesmo estando desse jeito, era preciso gritar ao mundo o que estava ocorrendo, cobrar deles uma ação, cobrar deles uma mudança ou ao menos uma justificativa.
- O que te aconteceu? – perguntou a A...
- Estou bem... Estou... com fome – respondeu.
- Ok, então sente-se para comer, mas depois da L... ou da N... não se misture com os outros, ok?
- Ok.









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