Crônica: Why d’you only call me when you’re high?


Now it's three in the morningAnd I'm trying to change your mindLeft you multiple missed callsUntil my message you replyWhy'd you only call me when you're high?HighArctic Monkeys










Acordou com uma ligação às três horas da madrugada, olhou a tela do celular e silenciou, já era a décima ligação da mesma pessoa. Virou para o outro lado e depois de algumas voltas na cama percebeu que tinha perdido o sono. Levantou, pôs um roupão que permaneceu aberto mostrando parte da sua langerie, foi até a cozinha, pegou o último vinho, uma taça decente, foi até a poltrona perto da janela da sala, sentou e se pôs a refletir.
“Até imagino onde ele estava”, pensou, “foi ao bar da Rua 27. Ele sempre vai pra lá nos sábados, faça chuva ou faça sol.
- É o melhor bar da região, querida. Me disse certa vez, aliás, várias vezes.”
Ela poderia enumerar cem outros bares que seriam melhores do que o da Rua 27, ou até mais. Mas lá era o refugio dele, o lugar em que não importava nada, ele se sentiria bem. O garçom já sabia sua bebida favorita, o DJ já sabia as músicas que gostava de ouvir, e as garotas já sabiam que o encontraria ali no mesmo horário de sempre.
“Com toda certeza estava usando sua camisa social preta, desabotoada para ver uma parte da tatuagem no peitoral que atraia os olhares de quase todas as garotas para identificar o desenho. Na verdade, acho que sou a única mina que não correu para seus braços tatuados” riu ao pensar nisso.
O celular tocava mais uma vez, dessa vez se pôs a dançar com o toque que muito lhe agradava (OutKast – Hey Ya!), talvez as três taças de vinhos, bebidas bem rápido, já estivessem fazendo efeito. Silenciou na metade para não acordar os vizinhos de apartamento.
“Aquele desgraçado! Foi o maior erro tê-lo conhecido. Lembro como se fosse hoje. Fui àquele maldito bar por causa de Karla, que era totalmente apaixonada por ele. Nem era pra eu ir, queria só comer um sanduíche além dos meus estoques de miojo... Me lembro de todas as garotas olhando para ele, inclusive Karla que me levou para lá só para ver se ele estava presente, como se não soubesse. Eu entrei naquele bar e por um segundo todas as atenções foram pra mim, não era pra menos, sair de moletom e uma blusa de frio tão surrada”, gargalhou ao lembrar-se da roupa que usava.
Ela lembrou de Karla disfarçar e sair de perto dela para umas pessoas á direita, que pouco acreditava que era tão intima como parecia. Sozinha, se encaminhou até o bar e pediu uma poção de batatas-fritas, logo que era a única coisa que poderia pagar naquele lugar.
“Aí ele chegou, riu das minhas roupas, riu da minha falta de maquiagem até da porção de batatas. Dizia que eu era única a está naquele lugar assim.
- Não me leve a mal, longe de mim ser um sexista e impor modos de uma mulher se vestir, mas convenhamos que não estar nos padrões não é mesmo.” Lembrou de sua frase, lembrava exatamente dessa frase e de como ele disse que se ela quisesse sair com ele teria que se vestir diferente.”
Uma raiva começou a subir e tomar conta de seu corpo, a mão que segurava a taça de vinho apertava cada vez mais quando pensava nele. O telefone tocou de novo, sua vontade era jogar o celular na parede, destruir.
“Eu não sei como ele consegue meu número. Já o mudei inúmeras vezes e ele sempre consegue a porra do meu número”, gritou em voz alta como se o culpado fosse o celular.

Calou-se.
Tanto ela como o celular.


Pegou mais vinho e retornou às suas lembranças “ele era um tremendo idiota, isso sim. Me disse tudo aquilo e ainda ficava com um ar de superioridade, pensando que era melhor que qualquer um ali. Mas eu também não era boba, convenhamos, nem dei muita trela para aquela figura de rosto bonito do meu lado. Comi toda minha batata sem falar nada com ele, paguei e sair sem dizer nada. Aquilo deve ter atormentado a vida dele! Certeza.
“depois, não sei como ele conseguiu meu número e endereço! Provavelmente Karla deve ter dado minhas informações em troca de um pouco de atenção. Minha surpresa foi enorme ao atender o telefone e ser ele. Mas a sua voz estava diferente, parecia ter um cuidado com as palavras.
- você é uma garota diferente – me disse – ninguém nunca fez aquilo comigo. Eu gostei de você. Talvez a gente poderia sair e nos conhecer.
“Eu, boba, fui. Claro que fui. Fazia tempo que ninguém me dava bola, não importava o quão arrumada estivesse. Depois do último canalha na minha vida, qualquer coisa era lucro. Eu estava carente de atenção, de carinho, não é errado querer essas coisas por mais empoderada que sejamos, né? Eu não estava errada em sair com um cara que claramente era um idiota.
“Mas eu sair. Uma, duas, três, dez... várias vezes. Ele era um romântico a moda antiga, mas longe de deixar de ser um boêmio. Isso não importava, minha carência era maior. Até o dia que fomos a uma festa da boate mais cara que havia... Eu pensava assim, não tinha condições de comprar uma balinha naquele lugar.
“E todo romantismo foi embora”.
Ela se serviu da quinta taça de vinho, inconscientemente sua meta era terminar a garrafa inteira. O telefone tocou de novo, dessa vez lagrimas percorreram pelo seu rosto, um desespero no seu coração e na cabeça o acontecimentos dos fatos.
“Ele se drogou de alguma coisa e queria que eu fizesse o mesmo! Idiota, me recusei, claro! Tentei ir embora, sair daquele lugar, mas ele era mais forte do que eu. Começou a gritar, me chamar de boba, antipática, quadrada e tantas outras palavras que me recuso a  pensar. O golpe foi forte. Doeu, ah se doeu!”
O telefone tocou novamente. Enxugou as lágrimas, pegou o telefone e o desligou. Um certo ar de conclusão pairou no ar. “Ele está bêbado ou drogado. Só me liga quando está assim. Não tem coragem de me encarar sã”
“Que bom que meu amor-próprio é muito maior. Que me fez sair daquele lugar e não querer vê-lo. Que me fez cortar todo tipo de amizade ou contato com ele. Ninguém merece um amor doentio, um amor que corroi. Eu tava carente, mas não tanto assim. Eu estava amando, mas eu aprendi a me amar acima de tudo e isso não é egoísmo! Não é egoísmo! Não pode ser egoísmo...”
O sono voltou ao seu estado e adormeceu naquele recinto. Seus últimos pensamentos estavam ligados a mudar. Mudar de rumo, de rua, de casa, de país, de roupas, de cabelo ou qualquer coisa que o fizesse identificar ou persegui-la. Coisas que talvez não fizesse. Sua única convicção era que o amor próprio deve sempre ser maior... sempre.











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