Crônica: Segunda-feira


- Mas você tá bem?
- Não.

Essa resposta a iria confrontar durante todo aquele dia. Fora para ela engraçado a resposta, talvez a primeira vez que respondeu a típica pergunta depois do “oi” de forma negativa. Isso a surpreendeu, talvez não tanto como surpreendeu a pessoa que a ouviu.
Durante muito tempo ela tentou se fazer bem, se fazer feliz. Está de acordo com tudo e todos era o único ponto de vista aceitável, por que criar confusões por suas vontades? Por que não ignorar a si mesma? Ela se ignorava tanto que nem sabia mais o que gostava ou deixava de gostar e isso a estava cansando.
De volta a mesa do trabalho, olhou para o corredor que levava a copa e percebeu que que seu colega de trabalho ainda estava lá, paralisado. Como uma resposta poderia ter causado tanta inercia ela não sabe. Talvez ele pensasse o mesmo que ela, talvez passasse por esse mesmo cansaço de algo que deveria acontecer e não aconteceu, essa angústia de repetir todos os dias pela noite que estava tudo bem e nas primeiras horas do dia seguinte perceber que não estava, talvez o impasse de decidir qual música escutar, ouvir até a metade e perceber que aquela não era a trilha sonora do dia, talvez era só mais um dia rotineiro que fugiu ao seu controle diante daquela simples resposta.
Todos seus colegas de trabalho eram típicos rotineiros. Acordavam na mesma hora, pegam o mesmo transito, chegavam atrasados sempre os mesmos minutos, comiam as mesmas coisas, conversavam os mesmos tópicos, iam a copa no mesmo horário, almoçavam as mesmas coisas e por aí ia. Sempre o mesmo silencio, sempre as mesmas gritarias, nenhuma risada, nenhuma tossida. Tudo todo dia.
Quando chegou àquele emprego se garantiu que era temporário, era só para pagar as contas e que não suportaria trabalhar tanto tempo e olha só, já havia se tornando um móvel do qual automaticamente todos passavam, falavam bom dia, sem nem saber se o dia era bom.
Seu colega continuava na copa e ela continuava a pensar na sua resposta. De fato nada estava bem, tanto tempo num lugar que odiava, trabalhando de forma que não gostava, com conversas que não compartilhava, escutando músicas que não há representava, sendo uma pessoa vazia como disse que não seria. As contas continuavam, os conflitos consigo mesma também e a velha ideia de ir embora e mudar de rumo não partia. Perpetuava em seu ser, para dar mais confusão a ela, para tirar mais uma vez da rotina e perceber que essa vida de adulto não prestava.
Queria o joelho ralado, o coração partido ou qualquer coisa que a motivasse a andar diferente. Quantas promessas de exercícios fez a si mesma, quantas dietas começadas e quantos lanches rápidos no meio da noite.

E ele continuava lá.

Irritação já estava brotando em sim, ele já tinha tomado seu café, já tinha ultrapassado os minutos que sempre ficava. Fora a resposta dela, aquilo era a coisa mais anormal do dia.
Enquanto tentava não resmungar em voz alta, ele voltava como se tivesse indo a forca. Seus olhos se encontraram e por alguns instantes ela pôde ver o quão desesperado ele também estava, o quão angustiante e deprimente estava sua vida, o quanto ele queria fugir, sair dali. E também, nesse olhar, percebeu que tudo continuaria como estava.


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