os porquês (crônica)


Ela descascava batata com uma força descomunal e não entendia bem o porquê. Talvez porque sempre se desconcentrava, talvez porque fazia as coisas no automático, talvez porque estava sempre pensando em outras coisas durante essa atividade, mas nesse momento o que lhe fazia constante em sua mente era o uso dos “porquês”.

“Nunca entendi qual usar... Talvez deva ser por isso que minha vida esteja uma merda”

Apesar da constatação pouco provável começou a imaginar como o simples fato de não dominar a língua materna reflete um aspecto geral de não dominar a própria vida. Na sua cabeça, se algo simples que usamos constantemente não tem a nossa devida atenção ao ponto de não sabermos usar, outros fatores da vida passam ainda mais despercebidos.

“De certo modo, não saber utilizar na escrita os porquês reflete a nossa desistência de tentar entender onde usar cada um. Desistimos de aprender e o usamos de qualquer forma”, dizia para si mesma. Logo após o caos se instaurou.
Quantas coisas ela já tinha desistido? Quantas coisas ela deixou de lado por achar difícil demais? Quantas vezes ela simplesmente virou a página sem ter concluído a leitura? Quantas vezes ela simplesmente foi sem saber se queria ir ou ficar? Quantas vezes sua vida foi feita no modo automático, sem nenhuma pretensão de sair?

Tantas perguntas e nenhuma resposta.

“Acho que cortei batatas demais”.

Comentários